quinta-feira, 28 de julho de 2011

Arvore Construída - comovente !

Amigos, há 3 anos perdi meu pai por conta de um avassalador cancer metastático que em um ano o levou do leito da nossa família. E ao ter contato com o texto abaixo, me veio na memória todos os sentidos do ambiente hospitalar que vivenciamos por um ano.

Por isso, além de comovente o depoimento, valorizo bastante iniciativas para combater o mal estar e melhorar o ambiente hospitalar de tratamento de paciente crônicos.

 Degustem sem moderação !

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Arvore Construída


(Foto: Luiz Marchetti)Meu pai faleceu no final do ano passado, bastante enfraquecido pela insuficiência renal crônica. Eu o acompanhei algumas vezes ao hospital para seu tratamento com HEMODIÁLISE. Na sala hospitalar para hemodiálise que frequentávamos havia pacientes dormindo por horas e alguns observando em silêncio o movimento dos enfermeiros. O tratamento consiste na remoção do líquido e substâncias tóxicas do sangue com um rim artificial. É o processo de filtragem e depuração de substâncias indesejáveis do sangue como a creatinina e a ureia. Eram visitas constantes, três vezes por semana por longas horas. Cada paciente com seu cobertor, seu travesseiro e alguns objetos pessoais como casacos e xales, pois alguns sentem muito frio durante o tratamento.
Como transformar momentos hospitalares delicados em decente bem-estar, sem enfeitarmos de alegre ou maquiarmos a dor? É sempre mais fácil colocar um sorriso no rosto, ajudar a passar o tempo e entreter quando o paciente é uma criança. Mas as emoções positivas, aquelas que trazem prazer, conforto e alegria num leito de hospital, as vezes, vêm carregadas de clichês e piadas prontas. O paciente mais velho olha, observa, sabe que está sendo seduzido para um  foco além de sua condição atual e resiste. Fecha os olhos para não ter que lidar com mais esta tarefa: se mostrar feliz para a visita.

Na maioria das vezes a situação hospitalar quebra agendas, a viagem planejada que não chegou, a reforma da casa pela metade, a festa de aniversario da filha que este ano será adiada . Essa ruptura crava uma decepção que aprofunda quando segunda, quarta e sexta você já sabe: é dia de ir lá e ficar lá. Calado e olhando pro teto. Meu pai não gostava disso, reclamava, resistia e muitas vezes baixinho pedia para não continuarmos com isso.

Na semana em que meu pai faleceu eu vi na sua cama vazia o cobertor que ele usava para se aquecer no Hospital e uns DVDs que levei. Em algumas visitas levei filmes, sei que alguns filmes ele viu, assistiu várias vezes; outros nem retirou da caixa. Tentei, à minha maneira, lidar com o confortar, com o ludibriar em busca de algum outro olhar sobre o dia-a-dia de um hospital.

Nesta semana, quando cheguei no CTR, Centro de Tratamento Renal, várias lembranças voltaram, ainda que meu pai tenha sido tratado em outro Centro. Esperei na sala, vi pacientes chegando com suas sacolas e familiares preocupados. Não imaginava que iria encontrar uma luz tão forte quando entrei na sala principal.

O cheiro era o mesmo. Havia um olhar acelerado de enfermeiros concentrados, pequenos bips, a maquinaria bombando e trazendo sangue.

Fiquei aliviado quando vi a Tânia Ohana me aguardando, sentada com um sorriso aberto . Não a conhecia, falamos rapidamente pois ela ainda estava em tratamento com seu corpo conectado à máquina através de tubos. Eu carregava o tripé da câmera, a câmera, as lentes, uma luz e um caderninho de notas. Ela me entregou um texto e, como jornalista que é , escolheu as palavras para explicar sua dedicação em melhorar o lugar, aquele momento em que divide sua vida com outros pacientes.


O texto iniciava assim:

A Terapia do Bonsai nos ajuda a sermos seres melhores. Possuir um bonsai é querer mudar o coração para ser um Sol na vida das pessoas com que convivemos.

Enquanto arrumava a câmera no tripé, escolhia a lente e tentava me ajeitar no meio da sala do hospital percebia que Tânia transbordava aquela situação para seus vizinhos. Acordou a amiga. Pediu para ela arrumar o cabelo e não se esconder atrás das folhas. A sala é enorme, mas, ainda assim, Tânia havia colocado bonsais por todo o lugar,  um em cada canto, acima de um armário,ou próximo a uma mesa havia uma decoração familiar com vida em crescimento. São de sua coleção, cultivados a 40 graus de Cuiabá, o que lhes dá força de adaptação para outras regiões. Os bonsaístas de outros países valorizam e buscam os bonsais adultos de acerola cuiabanos, com mais de dez anos. A técnica do Bonsai já superou a marca de seis mil anos tendo sua origem na China, Bon significa bandeja e Sai significa árvore. Essa "àrvore de bandeja" coloca Mato Grosso no circuito dos bonsais, aqui superamos a marca de três mil árvores, sendo que a maioria pertence a um único bonsaista: Diego Ormond. Estive em sua casa e, encantado, conheci varias espécies de perto. Ele me mostrou como aparar, mostrou flores e técnicas diferentes. Uma belíssima arte, com preços diferentes e seguidores de todas as idades. Tânia Ohana é portadora de insuficiência renal crônica e já há alguns anos vem dedicando seus conhecimentos ao cultivo de bonsais como finalidade terapêutica, obtendo resultados positivos e uma melhoria na qualidade de vida: Depois que passei a me dedicar à terapia do cultivo dos bonsai, acabo esquecendo da minha realidade, o tempo dedicado aos bebês da natureza me fazem um ser humano muito melhor. Ao dedicar um período do dia para estar com os bonsais ,tendo contato com uma árvore em miniatura, aos poucos , os sentimentos vão mudando, de ódio vamos rumo ao amor, e assim a nossa mente fica ocupada, enfatiza Tânia Ohana.

Com sorriso aberto Tânia fez a primeira foto, pediu para buscar o bonsai mais bonito, aquele da entrada. Depois pediu para eu colocar o bonsai no colo da vizinha que, já desperta e com o cabelo arrumado, aguardava para ser fotografada. Assim foi. Me transmitia paz e segurança. Eu ainda me equilibrava com tanta informação, lembranças e a necessidade de ser rápido no recinto.


Outro bonsai, outra foto.

Tânia,  no texto que preparou, me sugere um livro: A CABEÇA EM PRIMEIRO LUGAR: A BIOLOGIA DA ESPERANÇA E O PODER CURADOR DO ESPÍRITO HUMANO do Dr Norman Cousins ( 1912-1990) . Tânia conta que através desse livro o Dr Norman procura comprovar cientificamente que a força da esperança influencia o corpo humano e que a força de vontade de viver ativa a fábrica de remédios que existe no corpo humano.

Enquanto falava percebia que outros, inclusive pacientes sonolentos mais distantes observavam seu sorriso, sua fala certeira e o humor sobre as novas estrelas do jornal. Seu hum/a/mor enchia a sala. Alguns retiravam seus cobertores, já aquecidos por aquela jornalista sorridente, levantando uma árvore enorme numa bandeja de vida.
Sua paciência e carinho eram como um filme.

Um filme em cores, quente, ao vivo e bem próximo de cada um presente na sala do CTR.

Aplausos Tânia!
TANIA OHANA :92083016


Texto e fotos: Luiz Marchetti

2 comentários:

  1. O texto é lindo, isso realmente cativava e emotivava ela nesta luta diária da sobrevivencia. Algum tempo após essa matéria, minha tia (Tânia Luiza de Oliveira - Tânia Ohana) descobriu que estava com "Cancer nas Amídalas"... Mesmo com todas as dificuldades e sofrimente oriundos da deficiencia renal, ela batalhou, batalhou e venceu! Infelizmente, em seguida descobriu que estava com "Tuberculose em esgátio avançado", de imediato iniciou o tratamente, pois a vontade de viver superava qualquer dificuldade ou barreira impostas pela dureza do destino. Minha tia veio a falecer neste sábado (16/02/2013) em decorrencia de um ataque fulminante, logo após uma sessão de hemodialise. Marcos Lisboa

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    1. Meus sentimentos por sua perda Marcos. A proposta foi trazer um pouco de conforto com este texto para aqueles que continuam seu caminho e buscam mais da vida. Abs

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